quinta-feira, 14 de julho de 2022

 Concurso: Centenário José Saramago

1º prémio

Ensaio sobre a Esperança

 

“Cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha perdido a esperança.”

Começo com uma citação deste escritor, José Saramago. Retirada da obra Ensaio sobre a cegueira. Tal como ele também eu tentarei, eventualmente com menos sucesso, criar um ensaio que possa de alguma maneira roubar a atenção do leitor e fazê-lo pensar. Não tenciono mudar mentalidades mas sim expor a minha.

Cegueira. Viver num mundo mas de alguma forma não viver nele. A sensação de estarmos mas não estarmos. É como se fosse criado um mundo novo, apenas nosso, no qual somente existisse uma cor. Cor esta com a qual se viverá para sempre. Não é possível mudar, não tem cura. No fundo é como ser descartado daquilo que acontece na sociedade, no mundo.

Mas voltando à frase que deu início a tudo isto. Perder a esperança. Já todos perdemos a esperança mas quase nenhum de nós cegou. Já todos tivemos uma fase em que apenas víamos uma cor, em que vivíamos no nosso próprio mundo cinzento ou preto, ou branco. Mas não um branco de paz e prosperidade. Refiro-me a este branco como sendo um mar infinito de semelhança, em que tudo nos parece um nada, e sempre que para ele olhamos voltamos com a mesma ideia de que aquilo que devia ser um tudo nada mais é que um vazio. Não o tipo de vazio completamente apagado mas sim aquele que mesmo tendo um farol para o iluminar não tem nenhum faroleiro que queira ligar a luz.

Uma névoa espessa tal manhã de nevoeiro em Londres, onde não se vê dois palmos à frente. No entanto, não se tenta de modo algum atravessar a névoa, limita-se a ficar à espera que o Sol apareça para que a névoa se desfaça em algo mais facilmente trespassável. Mas nenhum sol aparecerá pois neste mar branco, tal como num mundo sem esperança, não existe Sol, apenas nuvens escuras e nevoeiro.

Todos já estivemos num barco que se dirigia ao paraíso e teve a infelicidade de ser levado por correntes mais fortes acabando por ser vítima das perigosas intempéries da vida, deixando-nos à deriva agarrados a um tronco que se vai desfazendo. É nesse momento que as névoas nos envolvem e a esperança se vai. Mas será que, tal como qualquer corrente, a esperança apenas vai, afastando-se cada vez mais? Nem sempre. Nem sempre percebemos quando ela vai, apenas quando olhamos para o horizonte e já não nos encontramos na nossa camarata do barco e sim já agarrados às míseras esperanças que rapidamente se desvanecem deixando um rasto de migalhas que, tal como é fácil de imaginar, se afundam lentamente sendo comidas pelos nadadores que abundantemente povoam o oceano. Neste preciso instante tentamos agarrar alguma destas migalhas mas apenas colhemos água. O Sol derrete-se como que se juntando às instâncias causadas pela vida. Tudo escurece. Tudo brilha, de monotonia. O tempo congela. O futuro deixa de ser algo possível. No entanto é. Apenas se encontra inalcançável, não pela impossibilidade mas sim pela incapacidade causada pelos nossos pensamentos contrários. Sim! Ainda existem pensamentos, são só ofuscados, talvez filtrados com tão fino papel que se podia usar em laboratório. O que passa por este filtro não pode ser de todo considerado fino. É na realidade das mais grosseiras coisas deste mundo, o constante pensamento de incapacidade de melhoria. E a partir daqui é como uma avalanche. Uma bola de neve que irá aumentar o seu tamanho de forma descontrolada. Que leva tudo pela frente deixando qualquer montanha desnudada de árvores, ou qualquer vida escassa em esperança.

Voltando à ideia de monotonia, de escassez de variedade de cor. Nada é infinitamente monótono. Eventualmente irá acabar, da melhor ou pior maneira, mas irá acabar. Podemos pensar que não há escapatória, mas realmente aquilo que não há é um pensamento que faça esta bola em constante aceleração parar. Como deve saber, talvez não muito aprofundadamente, mas o conhecimento comum permite a qualquer um entender isto, qualquer objeto em movimento, por mais rápido que seja, irá eventualmente parar se um certo objeto se opuser ao seu movimento. Segundo este mesmo raciocínio, se uma parede de pensamentos positivos, não aqueles sobre flores e arco-íris pois todos sabemos que estes só iriam ser possíveis com Sol, coisa que é impossível num mundo sem esperança, mas sim pensamentos luminosos, que tragam luz e façam a névoa desvanecer, se opuser ao avanço da crescente desmotivação do sujeito então seria possível travar tudo. Mas não é simples, até porque qualquer tentativa de busca de luz acaba por ser negada pelo sujeito muito antes de ser sequer ponderada, pois, devido a forças que nunca iremos entender, não forças sobrenaturais mas sim forças naturais não explicadas, é, para o sujeito pertencente à sociedade destruída pelo vazio deixado pela falta de esperança, impossível recuperar. Para quê recuperar se não haverá futuro para usufruir? Será esta a questão que inunda a mente e leva tudo consigo, pior que um tsunami que invade a terra e leva tudo o que foi outrora lentamente construído, sem piedade nem misericórdia.

O que fazer? Lutar contra a maré, esperar que as ondas recuem e lançar logo um bote à água. Largar o tronco que lentamente se desfaz e nadar para ultrapassar a névoa branca que se acomodou entre o sujeito e o mundo que, embora pareça sem esperança, não passa de um mundo por nós criado, apenas nosso, pois, tal como na cegueira, é criado um universo em que apenas existimos nós, nós e a branquidão imensa. Há sempre um resquício de esperança. O problema é não o vermos através do nosso mundo que funciona como um filtro de fotografias, deixando tudo sépia, tal tempestade de areia que invade a cidade cortando a luz, mergulhando, assim, num mar negro. Mas até podia ser um filtro destes recentes, que torna qualquer foto tirada pelo mais desleixado fotógrafo em algo que se possa apreciar sem grandes vontades de demonstrar desprezo por tal obra. Mas não, este filtro sépia é claramente antigo, sendo capaz até de notar-se já um certo amontoar de pó. Torna assim exageradamente complicado a melhoria, o alcance, com a vista, da esperança.

Já antes, nos tempos do auge do grande império português, e de qualquer outro império do mundo, se usava um mastro com um marinheiro no seu topo de modo a alcançar, com a visão, as terras ao longe. Neste caso existem certas semelhanças. É também necessário um certo elevar da percepção para alcançar as terras ao longe, denominadas de esperança. Não um elevar ao nível divino, como durante séculos se tentou. Este não é de todo possível para um ser que ainda critica o seu companheiro de habitáculo por não concordar consigo em tudo. Mas sim um elevar de cabeça, uma paragem no costume de olhar constantemente para baixo e um assumir de que o futuro se encontra adiante e que é necessário agarrá-lo antes que este saia de novo do alcance daquele órgão que iniciou esta discussão, ou, aliás, do órgão cuja falta causa o parcial isolamento do mundo. É, portanto, preciso este mastro para nos encontrarmos de novo em terra segura, longe de todo o nevoeiro causado pela ausência de esperança.

Existe também um outro momento, não uma elevação mas um choque, tal meteorito que nos inunda com a onda de choque por si provocada. Não por uma barreira mas por uma instantânea e brusca causalidade. Falo sobre uma ocorrência, muitas vezes salvadora, que muitos experienciam quando sofrem desta amargura na vida. Refiro-me ao momento em que algo ou alguém nos confronta com a realidade e nos deixa minutos intermináveis a pensar. Aqui, ou aceitamos ou não. Normalmente acabamos sempre por aceitar a realidade inerte em que nos encontramos. Queremos sair, correr, até mesmo nadar para longe dela. Vemos uma luz, não a esbranquiçada mas sim um arco íris de cores que eram inimagináveis há dois minutos atrás. Saímos do maior pesadelo, seria um? Certamente que não. Mas assim ficará lembrado.

                                                       Francisco Cardoso, nº8, 11ºB


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