Concurso: Centenário José Saramago
1º prémio
“Cegueira
também é isto, viver num mundo onde se tenha perdido a esperança.”
Começo
com uma citação deste escritor, José Saramago. Retirada da obra Ensaio sobre a
cegueira. Tal como ele também eu tentarei, eventualmente com menos sucesso,
criar um ensaio que possa de alguma maneira roubar a atenção do leitor e
fazê-lo pensar. Não tenciono mudar mentalidades mas sim expor a minha.
Cegueira.
Viver num mundo mas de alguma forma não viver nele. A sensação de estarmos mas
não estarmos. É como se fosse criado um mundo novo, apenas nosso, no qual
somente existisse uma cor. Cor esta com a qual se viverá para sempre. Não é
possível mudar, não tem cura. No fundo é como ser descartado daquilo que
acontece na sociedade, no mundo.
Mas
voltando à frase que deu início a tudo isto. Perder a esperança. Já todos
perdemos a esperança mas quase nenhum de nós cegou. Já todos tivemos uma fase
em que apenas víamos uma cor, em que vivíamos no nosso próprio mundo cinzento
ou preto, ou branco. Mas não um branco de paz e prosperidade. Refiro-me a este
branco como sendo um mar infinito de semelhança, em que tudo nos parece um
nada, e sempre que para ele olhamos voltamos com a mesma ideia de que aquilo
que devia ser um tudo nada mais é que um vazio. Não o tipo de vazio
completamente apagado mas sim aquele que mesmo tendo um farol para o iluminar
não tem nenhum faroleiro que queira ligar a luz.
Uma
névoa espessa tal manhã de nevoeiro em Londres, onde não se vê dois palmos à
frente. No entanto, não se tenta de modo algum atravessar a névoa, limita-se a
ficar à espera que o Sol apareça para que a névoa se desfaça em algo mais
facilmente trespassável. Mas nenhum sol aparecerá pois neste mar branco, tal
como num mundo sem esperança, não existe Sol, apenas nuvens escuras e nevoeiro.
Todos
já estivemos num barco que se dirigia ao paraíso e teve a infelicidade de ser levado
por correntes mais fortes acabando por ser vítima das perigosas intempéries da
vida, deixando-nos à deriva agarrados a um tronco que se vai desfazendo. É
nesse momento que as névoas nos envolvem e a esperança se vai. Mas será que,
tal como qualquer corrente, a esperança apenas vai, afastando-se cada vez mais?
Nem sempre. Nem sempre percebemos quando ela vai, apenas quando olhamos para o
horizonte e já não nos encontramos na nossa camarata do barco e sim já
agarrados às míseras esperanças que rapidamente se desvanecem deixando um rasto
de migalhas que, tal como é fácil de imaginar, se afundam lentamente sendo
comidas pelos nadadores que abundantemente povoam o oceano. Neste preciso
instante tentamos agarrar alguma destas migalhas mas apenas colhemos água. O
Sol derrete-se como que se juntando às instâncias causadas pela vida. Tudo
escurece. Tudo brilha, de monotonia. O tempo congela. O futuro deixa de ser
algo possível. No entanto é. Apenas se encontra inalcançável, não pela
impossibilidade mas sim pela incapacidade causada pelos nossos pensamentos
contrários. Sim! Ainda existem pensamentos, são só ofuscados, talvez filtrados
com tão fino papel que se podia usar em laboratório. O que passa por este
filtro não pode ser de todo considerado fino. É na realidade das mais
grosseiras coisas deste mundo, o constante pensamento de incapacidade de
melhoria. E a partir daqui é como uma avalanche. Uma bola de neve que irá
aumentar o seu tamanho de forma descontrolada. Que leva tudo pela frente
deixando qualquer montanha desnudada de árvores, ou qualquer vida escassa em
esperança.
Voltando
à ideia de monotonia, de escassez de variedade de cor. Nada é infinitamente
monótono. Eventualmente irá acabar, da melhor ou pior maneira, mas irá acabar.
Podemos pensar que não há escapatória, mas realmente aquilo que não há é um
pensamento que faça esta bola em constante aceleração parar. Como deve saber,
talvez não muito aprofundadamente, mas o conhecimento comum permite a qualquer
um entender isto, qualquer objeto em movimento, por mais rápido que seja, irá
eventualmente parar se um certo objeto se opuser ao seu movimento. Segundo este
mesmo raciocínio, se uma parede de pensamentos positivos, não aqueles sobre
flores e arco-íris pois todos sabemos que estes só iriam ser possíveis com Sol,
coisa que é impossível num mundo sem esperança, mas sim pensamentos luminosos,
que tragam luz e façam a névoa desvanecer, se opuser ao avanço da crescente
desmotivação do sujeito então seria possível travar tudo. Mas não é simples,
até porque qualquer tentativa de busca de luz acaba por ser negada pelo sujeito
muito antes de ser sequer ponderada, pois, devido a forças que nunca iremos
entender, não forças sobrenaturais mas sim forças naturais não explicadas, é,
para o sujeito pertencente à sociedade destruída pelo vazio deixado pela falta
de esperança, impossível recuperar. Para quê recuperar se não haverá futuro
para usufruir? Será esta a questão que inunda a mente e leva tudo consigo, pior
que um tsunami que invade a terra e
leva tudo o que foi outrora lentamente construído, sem piedade nem
misericórdia.
O
que fazer? Lutar contra a maré, esperar que as ondas recuem e lançar logo um
bote à água. Largar o tronco que lentamente se desfaz e nadar para ultrapassar
a névoa branca que se acomodou entre o sujeito e o mundo que, embora pareça sem
esperança, não passa de um mundo por nós criado, apenas nosso, pois, tal como
na cegueira, é criado um universo em que apenas existimos nós, nós e a
branquidão imensa. Há sempre um resquício de esperança. O problema é não o
vermos através do nosso mundo que funciona como um filtro de fotografias,
deixando tudo sépia, tal tempestade de areia que invade a cidade cortando a
luz, mergulhando, assim, num mar negro. Mas até podia ser um filtro destes
recentes, que torna qualquer foto tirada pelo mais desleixado fotógrafo em algo
que se possa apreciar sem grandes vontades de demonstrar desprezo por tal obra.
Mas não, este filtro sépia é claramente antigo, sendo capaz até de notar-se já
um certo amontoar de pó. Torna assim exageradamente complicado a melhoria, o
alcance, com a vista, da esperança.
Já
antes, nos tempos do auge do grande império português, e de qualquer outro
império do mundo, se usava um mastro com um marinheiro no seu topo de modo a
alcançar, com a visão, as terras ao longe. Neste caso existem certas
semelhanças. É também necessário um certo elevar da percepção para alcançar as
terras ao longe, denominadas de esperança. Não um elevar ao nível divino, como
durante séculos se tentou. Este não é de todo possível para um ser que ainda
critica o seu companheiro de habitáculo por não concordar consigo em tudo. Mas
sim um elevar de cabeça, uma paragem no costume de olhar constantemente para
baixo e um assumir de que o futuro se encontra adiante e que é necessário agarrá-lo
antes que este saia de novo do alcance daquele órgão que iniciou esta
discussão, ou, aliás, do órgão cuja falta causa o parcial isolamento do mundo.
É, portanto, preciso este mastro para nos encontrarmos de novo em terra segura,
longe de todo o nevoeiro causado pela ausência de esperança.
Existe
também um outro momento, não uma elevação mas um choque, tal meteorito que nos
inunda com a onda de choque por si provocada. Não por uma barreira mas por uma
instantânea e brusca causalidade. Falo sobre uma ocorrência, muitas vezes
salvadora, que muitos experienciam quando sofrem desta amargura na vida.
Refiro-me ao momento em que algo ou alguém nos confronta com a realidade e nos
deixa minutos intermináveis a pensar. Aqui, ou aceitamos ou não. Normalmente acabamos
sempre por aceitar a realidade inerte em que nos encontramos. Queremos sair,
correr, até mesmo nadar para longe dela. Vemos uma luz, não a esbranquiçada mas
sim um arco íris de cores que eram inimagináveis há dois minutos atrás. Saímos
do maior pesadelo, seria um? Certamente que não. Mas assim ficará lembrado.